ARTIGOS

O FUNDEB e Padre Vieira

Por Por: Marcello A. Duailibe Barros¹; Eduardo H.S. Pereira²; Marcelo de S. Santos³ e João C. S. Marques⁴

Reza a lenda que o Padre Antônio Vieira (1608-1697), antes de se tornar defensor dos judeus e dos povos indígenas, professor de teologia, diplomata e referência da língua portuguesa (seja em Portugal ou no Brasil), através da publicização de seus Sermões – gênero literário que emana um enorme esforço intelectual -, era um indivíduo com baixa capacidade cognitiva, com dificuldades para ler, memorizar, o que levaria alguns especialistas da neurociência a diagnosticá-lo com dislexia.

Com uma vida limitada, o jesuíta, enquanto rezava pela Virgem Maria, apresentou um revés após um estalo “tão forte que achou que fosse morrer”, o que ficou conhecido como “Estalo de Vieira”, alcançando, desse modo, o estado de nirvana (libertação do sofrimento). O “Estalo de Vieira” é conhecido pela “clareza de entendimento, agudeza de engenho e sagacidade de memória”, como afirma um de seus biógrafos, André de Barros (1675-1754) e, a partir daquele momento, o rendimento daquele aluno aumentou exponencialmente.

No Brasil do século XXI, no afã de melhorar a qualidade do ensino no país, diante das diferenças abissais de cunho econômico e social, os gestores públicos rascunharam até desenharem, entre Emendas Constitucionais (53/2006), Medidas Provisórias (339/2007), Leis (11.494/2007) e Decretos (6.253 e 6.278), o que seria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), um programa de financiamento da Educação Básica no Brasil com prazo de validade para o final de 2020.

Durante a vigência do FUNDEB, duas críticas ficaram latentes e renderiam dois Sermões do Padre Vieira. O primeiro, diz respeito às discrepâncias entre os valores distribuídos, seja por comparação local (da relação Estado com seus Municípios) ou por comparação entre Unidades Federativas. Os Estados alegam que contribuem de forma mais elevada na comparação com seus municípios, pois os tributos com Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) têm mais representatividade contra o Imposto Sobre Serviço (ISS). Muitos tendem a operar com desequilíbrio, enquanto enviam mais recursos ao Fundo em contraposição ao que recebem.

O segundo Sermão seria dado à qualidade do ensino no Brasil. Apesar do esforço em destinar parcela cada vez maior do orçamento para a educação observado nos últimos anos, quando se verifica o desempenho dos alunos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA relativamente ao gasto público em educação como percentual do PIB, constata-se que o Brasil, diferentemente da média dos demais países da OCDE, para os quais maior aplicação de recursos na área da educação proporcionalmente ao PIB se traduz em melhores notas em Matemática, Leitura e Ciências, há, em termos gerais, uma baixa relação entre as variáveis despesa em educação em relação ao PIB e qualidade do ensino.

Nesse contexto, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC que torna o FUNDEB permanente, além de aumentar a participação da União no financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio, que sairá de 10% para 23% em 2026.  De fato, aprovação – ainda parcial – pelo Congresso Nacional permitirá, segundo o Todos Pela Educação, elevar o valor mínimo por aluno de R$ 3,7 mil para R$ 5,7 mil.

É inegável que o FUNDEB representou uma conquista histórica dos movimentos sociais, sobretudo dos trabalhadores da educação. Foi fruto de intensos debates no Congresso Nacional na fase embrionária, podendo ser considerado um dos mais importantes projetos educacionais das últimas gerações para o país. Deve ser continuado!  Entretanto, se faz necessário corrigir essas falhas na estrutura distributiva de recursos e, mais importante, direcionar o foco para a qualidade do ensino, nem que para isso seja necessário um “Estrondo de Vieira”, ao invés de um simples “Estalo”.

¹Economista (UFMA), Mestre em Administração Pública (FGV) e Conselheiro Regional de Economia do Maranhão.

²Economista (UFMA) e Mestre em Administração Pública (FGV).

³Economista (UFMA) e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico (UFMA).

4 Economista (UFMA), Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico (UFMA) e Vice-Presidente do Conselho Regional de Economia do Maranhão.

 As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade do autor, não refletindo necessariamente as posições do Corecon-MA.

Palavras-chave :

Compartilhar :