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Crônica: Leveza e Memória

LEVEZA E MEMÓRIA

Antônio Augusto Ribeiro Brandão

De uns tempos para cá resolvi ficar mais leve, uma das coisas que Jorge Luís Borges (1899-1986) manifestou vontade de fazer na vida, se pudesse voltar a ser jovem. Mas enquanto houver vida, vale a pena tentar.

Ao desbastar meus “Arquivos Implacáveis” – como João Condé (1912-1996), da revista “O Cruzeiro”, intitulava suas crônicas -, que esforço ler, rasgar e queimar: folhas de jornais, escritos diversos, documentos de tempos idos, quase tudo virou papel picado ou cinza de papel, ou simplesmente foi mandado para o lixo. Mas muito ainda voltou a ser guardado. Não é sempre assim?

Fiz questão de preservar, entretanto, alguns papéis, a fim de ficar em paz com a minha consciência: registros do futebol – durante longo tempo foi meu esporte favorito – e dos seus melhores jogadores; reportagens do maravilhoso e já centenário mundo do Jazz; história da vida genial de Charlie Chaplin (1889-1977), essa figura familiar e desajeitada que vimos em Luzes da Ribalta, O Grande Ditador, Tempos Modernos, Um Rei em Nova York, em geral criticando, à sua maneira jocosa, a situação dos menos afortunados da sorte, em bairros miseráveis; lamentos sobre o fechamento do Maxwell’s, um dos mais tradicionais restaurantes de Nova York, onde estive quando visitei a cidade pela primeira vez; pesares sobre a morte do cantor Pedro Vargas (1906-1989), que embalou momentos da minha mocidade cantando boleros e “encontrei”, em Madri, num busto em sua homenagem, nos jardins de uma famosa casa de shows de música e dança flamenca (ou flamenga), manifestação “cujas origens remontam às culturas cigana e mourisca”.

Referências à época de Irving Berlin (1888-1989), imigrante russo que produziu letra e música para mais de mil canções, 18 shows musicais e trilha sonora de 17 filmes, e foi o último elo de ligação da música americana com a chamada Era de Ouro da sua canção popular. Berlin teve importantes compositores contemporâneos: Jerome Kern (1885-1945), o pai, o professor, o mestre e o rei dos compositores do teatro americano; George Gershwin (1898-1937), considerado o maior gênio musical nascido nos Estados Unidos da América; Cole Porter (1891-1964), que vivia luxuosamente, na cidade, no campo, na Europa e, finalmente, na torre do Waldorf Astória, em Nova York, figurando entre os grandes mestres da música popular norte-americana, com partituras produzidas e somente identificáveis com ele; Richard Rodgers (1902-1979), em parcerias com Oscar Hammerstein II (1895-1960) e Lorenz Hart (1895-1943), fazendo o teatro musical desenvolver-se e atingir a maturidade, com Oklahoma (1943) e Carousel (1945), na Broadway.

Torcedor do Fluminense, foi campeão carioca, em 1946, super. O goleiro Oswaldo Alfredo da Silva (1923-1999), o Oswaldo ‘baliza’, do Botafogo, a propósito do jogo, disse “não ter tido chance de defesa na jogada” de Ademir Marques de Menezes (1922-1996), o Ademir ‘queixada’, do Fluminense, autor do único gol da partida.  Uma curiosidade: com o ‘bicho’ recebido pela vitória, Ademir trocou o seu Lincoln por um Chevrolet hidramático do ano.

Tempos depois, no Rio de Janeiro, em 1955, Oswaldo não jogava mais, apenas ‘peladas’ no interior do Estado (tive oportunidade de assistir a um desses ‘jogos’), porém ainda vi Ademir, em fim de carreira, jogando pelo Vasco. Ele era do tipo rompedor: com a bola próxima dos pés, muita velocidade na corrida, ninguém o alcançava até marcar o gol, às vezes “com bola e tudo” depois de driblar o goleiro. Merecem ser lembrados, Ademir e Oswaldo. Gostei muito de futebol e até treino assistia; estive presente em quase todos os gramados do Rio. Vi jogar os maiores craques do mundo, em clubes e seleções, mas Ademir era único em seu estilo.

E a história do Jazz? Nomes como Duke Ellington (1899-1974), Dizzy Gillespie (1917-1993), Ella Fitzgerald (1917-1996), Sarah Vaughan (1924-1990), Count Basie (1904-1984), Charlie Parker (1920-1955) e Louis Armstrong (1901-1971), em mais de um século construíram a encantadora história desse ritmo de estilos variados, cuja improvisação é uma das suas características principais. Valeu a pena guardar tudo de novo.

Tudo está registrado no Jornal do Brasil (13/04/1989, 01/06/1989, 27/09/1989, 31/10/1989, 23/05/1990 e 30/08/1992), e no Estado do Maranhão (11/11/1984, 15 a 21/02/1987 e 31/03/1991), todos bem desbotados, para quem quiser conferir e obter maiores detalhes, porque a cultura não é propriedade de ninguém, todavia um processo de acumulação e conquista da humanidade.

Entretanto, desejando ficar ainda mais leve o em paz com a minha consciência, resolvi desfazer-me de praticamente tudo que havia ‘sobrado’, abdicar de coisas terrenas, memórias, honrarias, coerente com o processo de acumulação cultural acima referido.

Assim é que: migrei à categoria de Honorário das três Academias de Letras às quais pertenço; deixei de ser filiado a Centros de excelência, contribuir com Universidades, de integrar Associações internacionais e Movimentos literários nacionais de escritores. Fiz várias doações dessa minha memória, principalmente de meus Livros e textos jornalísticos, artigos e crônicas, para as Academias, Bibliotecas, professores, ex-alunos e amigos de trabalho; não publicarei mais meus textos em Jornais nem Revistas, dos quais não tenho mais assinatura; deixei de frequentar as mídias sociais. São, vamos dizer assim, meus ‘outros amores perdidos’.

E de onde veio a inspiração para esta crônica? Sobre leveza, de Jorge Luís Borges, que somente se deu conta desse prazer já no fim da vida; sobre os grandes da música, do teatro e do cinema americanos, creiam, dos alto falantes de Caxias e do Cine Rex, também da minha cidade, que abrigou todos os grandes filmes musicais da época.

Por fim, uma explicação para os meus leitores. Querem saber a razão das minhas preferências por citações e fixação de datas? As citações, embora nem sempre guardem afinidades com os assuntos das crônicas ou dos artigos que escrevo, procuram valorizar seus autores e as circunstâncias inspiradoras em que viveram; as datas marcam o começo e do fim da vida de cada um e podem valorizar tudo o que fizeram, no pouco ou muito tempo de sua permanência entre nós.

*Economista. Membro Honorário da ACL, ALL e AMCJSP.

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