Estado e Agências Reguladoras
Nos tempos esquisitos vividos atualmente no Brasil, tem sido muito mencionada, no âmbito da política e da gestão pública, a diferença entre “assuntos de governo” e “assuntos de Estado”. Que razões, então, vêm motivando esse “flashback” conceitual, em plena terceira década do Século XXI? Afinal, esta deveria ser uma discussão anacrônica, pois, há pelo menos 25 anos, quando se implantou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, ainda no Governo FHC, se estabeleceram os marcos legais da questão.
Segundo este Plano, com vistas a modernizar a gestão pública e inspirado nos conceitos de “responsabilização por resultados e autonomia de gestão”, se criariam AGÊNCIAS AUTÔNOMAS, que substituiriam Autarquias e Fundações que exercessem atividades EXCLUSIVAS DO ESTADO. Ou seja: se estava promovendo a inconfundível separação prática, no âmbito da administração pública, entre assuntos do Governo, por sua natureza contingentes e finitos temporalmente, e os de Estado, permanentes e necessitados de “blindagem” contra a interferência política em favor do bem comum e do interesse da sociedade.
Nesse já longo período desde o aparecimento das Agências Reguladoras, como ficaram conhecidas, tal reforma foi responsável por importantes avanços na Gestão Pública, no arcabouço institucional do país e no próprio relacionamento da classe política com as Agências. É verdade que ao longo do tempo houve assédio e tentativas de desvirtuamento delas, sobretudo praticado pelos governos petistas, mas, essencialmente, as Agências se mantêm sólidas pela própria força intrínseca do modelo e da conscientização de seus quadros técnicos e da sociedade do significado civilizacional delas.
Assim, ao aproximarem-se as eleições presidenciais deste ano, é preciso atenção e debate sobre “o papel destas instituições e sobre as garantias de sua autonomia para decidirem com base no conhecimento técnico-científico, em nome da sociedade, longe da influência dos poderosos”, segundo palavras do ex-Deputado e Professor de MBA da FGV/São Paulo, Xico Graziano.
A crise de Covid 19 ofereceu uma bela oportunidade de teste do vigor de um destes órgãos, no caso a Agência de Vigilância Sanitária- ANVISA. Detentora do estratégico papel de autorizar a fabricação, comercialização e administração à população das vacinas para imunização contra a doença que apavora a todos, viu-se, subitamente, sob inusitada suspeita que teria interesses, que não os sanitários, ao autorizar a vacinação contra a Covid 19 em crianças de 5 a 11 anos. Ou em outras palavras: que a autorização concedida seria fruto de corrupção.
Foi o momento propício para a afirmação do papel de ÓRGÃO DE ESTADO da Agência, que não só manteve a decisão, como pôs em xeque a calúnia que lhe foi dirigida, exigindo que os autores da denúncia imediatamente determinassem investigações policiais que provassem a acusação.
O desfecho do presente caso dá exemplar demonstração do acerto da decisão tomada há um quarto de século quase. A decisão foi acertada por colocar o Brasil entre as Nações que empoderam a sociedade nas tomadas de decisões de seus próprios interesses, apesar dos eventuais governos. Mas também com sua ocorrência ficou demonstrado que o país já tem robusteza institucional suficiente para suportar investidas de governos incapazes de conviverem em harmonia no ambiente democrático com os seus governados, enfraquecendo-se, desse modo, inclusive eleitoralmente.
Por:
José Cursino Raposo Moreira – Economista
moreiracursino@gmail.com