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A Guerra da Ucrânia e Rússia: fundamentos, Brasil e Maranhão

A Guerra da Ucrânia e Rússia: fundamentos, Brasil e Maranhão

Por:

Michel Teixeira, cursou Economia na Universidade Mackenzie – SP e pós-graduação em Engenharia Financeira na USP.
João Marques,  Economista e o mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela UFMA.

1. Fundamentos básicos para a compreensão da Guerra da Ucrânia

  A compreensão dos fatos deve ser elucidada através de uma análise que relaciona aspectos pretéritos com os do porvir. Em outras palavras: conhecer a história é saber a origem que nos leva a entender o hoje e a prever o amanhã. Assim – para o melhor entendimento do verdadeiro sentido da atual invasão da Ucrânia pela Rússia – será feita uma breve análise histórica.
O fim da Guerra Fria não representou apenas a vitória do modo de produção capitalista sobre o comunismo, mas uma mudança na Nova Ordem Mundial, onde o poder global europeu – predominante desde a Revolução Industrial – dá lugar ao imperialismo norte-americano. Nesse sentido, a consolidação capitalista do pós-Guerra Fria definiu claramente o tom hegemônico contemporâneo.

  A queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, por sua vez, deram início a uma nova tendência mundial marcada pela interdependência entre os países e pela concentração do poder em macro áreas. A partir de então, os Blocos Econômicos, como a União Europeia (UE), passaram a fazer parte das batalhas comerciais mundiais, atribuindo uma tendência de caráter multipolar à Ordem Mundial.

  A expansão da União Europeia é uma ação racional de cooperação, que favorece a criação de mercados cada vez maiores e oferece alternativas de desenvolvimento, além de estimular investimentos e dinamizar o comércio interior e exterior. A partir desta lógica, tem-se que o crescimento do bloco europeu deve ser encarado como estratégia à guerra comercial capitalista do século XX.

  A adesão das antigas nações socialistas ao bloco, contudo, é algo muito mais complexo e sensível. Não à toa, um dos maiores desafios da União Europeia sempre foi trazer para dentro do bloco um conjunto de Estados remanescentes da ruína do império soviético, muitos dos quais, atualmente, mais simpáticos aos Estados Unidos e aos principais países europeus do que à Rússia.

  Todavia, nem a queda do Muro de Berlim, nem a dissolução da União Soviética marcaram o fim das divergências entre a Rússia e o Ocidente, pelo contrário, os atuais bombardeios russos à Ucrânia são uma clara demonstração de força da Rússia aos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN.

  Diga-se de passagem, aos que pretendem compreender com mais afinco, que a OTAN não é um mero instrumento de paz criado “pós-guerra”. A aliança formada em 1949 com 12 países integrantes também teve um forte impacto no direcionamento da Guerra Fria, exercendo pressão avassaladora na extinta URSS e sobre a Ordem Mundial. Não obstante, nas inúmeras intervenções militares no pós-guerra fria – Kuwait, Turquia, Bósnia, Herzegovina, Kosovo, Afeganistão, Iraque e Líbia -, a OTAN também atuou como uma instituição incorporadora de novos países, expandindo-se pela Europa, somando, atualmente, 28 países integrantes e sondando inclusão de novos membros, como a Geórgia e a própria Ucrânia.

  A Rússia nunca foi a favor da independência dos países que integravam a União Soviética; uma prova disso foi a guerra com a Geórgia, em 2008, que também envolveu questões econômicas como o petróleo e o gás natural, nomeadamente um oleoduto que se estende do Azerbaijão, atravessando a Geórgia e a Turquia, e abastece a Europa Ocidental, em cujo período foi citada a possibilidade de sua participação “futura” na OTAN. Ora, com a Ucrânia, não é diferente.

  Em 1990, a Ucrânia assinou um pacto pela sua independência, abandonando suas armas nucleares e reduzindo o seu poderio bélico acordado pelo Memorando de Budapeste, assinado pela Ucrânia, Rússia, Reino Unido e os Estados Unidos. Em 1994 aderiu ao “Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares”, o que a obrigou a devolver as ogivas nucleares a Moscou, e, em 1996, o memorando foi reforçado pela assinatura de Belarus e do Cazaquistão.

  Em 2014, na Ucrânia, aconteceu a Revolução da Dignidade ou Revolução Ucraniana, movimento que foi acompanhado de manifestações violentas contra o presidente eleito, Viktor Yanukovych, que oscilava no poder desde 2004. Desde então, o país passava por uma forte crise econômica derivada de problemas monetários, fiscais e da forte corrupção, e um dos mecanismos possíveis de auxílio seria a adesão à União Europeia, que fora retirada de pauta por Yanukovych, que optou por um tratado com a Rússia. Essa medida, em um país de independência ainda recente, foi um dos estopins para acalorar as manifestações internas e fortalecer a oposição.

  Durante todo esse período, a Ucrânia passou por golpes de Estado contra Yanukovych e ações judiciais que o retiraram do poder. A Rússia se recusou a reconhecer o novo governo ucraniano, mais próximo do Ocidente e com apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI). Neste momento, a Rússia iniciou um movimento de retaliação à Ucrânia, visando retomar a região da Crimeia, que havia sido anexada pela Ucrânia, acirrando o conflito entre os dois países.

  Além de ser uma potência nuclear, a Rússia detém um arsenal militar invejável. Não obstante, suas armas mais poderosas, sob o ponto de vista estratégico, são o petróleo e o gás natural. Vale lembrar que a Rússia é a maior fornecedora de gás natural para a Europa e o terceiro maior produtor de petróleo do mundo.

  Vladimir Putin lançou seu ataque à Ucrânia por conta de seu ressentimento sobre o colapso do antigo império soviético, mas não teria feito isso se não ocupasse um protagonismo comercial e militar em termos globais. Afinal, ele sabe que muitos países europeus dependem de suas fontes energéticas, dentre eles, a poderosa Alemanha. Ademais, se não tivesse construído, nos últimos dez anos, ótimas relações comerciais com a China.

  Apesar disso, a guerra da Ucrânia não se resume a meros ressentimentos, rancores e limites de territórios, mas desenrola-se sobre a influência americana na Europa e o equilíbrio internacional de poder. O que Vladimir Putin almeja, de fato, vai muito além de uma invasão da Ucrânia. Ele está propondo aumentar o poder e a riqueza do seu país. A existência de eixos de conflitos crônicos, junto com a permanente possibilidade de uma nova guerra entre os grandes potenciais foi o caminho escolhido por ele para ordenar e estabilizar as novas relações hierárquicas que pretende construir.

  Simultaneamente, Putin põe a teste a capacidade intervencionista da OTAN para proteger seus aliados não membros integrantes, uma vez que a Ucrânia manifestou interesse de aderir a Ordem, mas não está inclusa como integrante oficial e, portanto, não contemplado pelo famoso artigo 5º do Tratado que requer que os Estados-Membros auxiliem no caso de ataques armados.

  Além da brecha institucional, a Rússia possui um forte poderio bélico e nuclear que serve como uma barreira para intervenção dos demais estados no conflito, uma vez que eventual frustração da Rússia na invasão da Ucrânia poderia acionar a adoção de medidas mais drásticas por Vladmir Putin e cujo impactos seriam ainda mais desastrosos para o planeta.

  O receio de uma participação da China, em constante guerra comercial com os EUA e em busca da hegemonia econômica mundial, também é um forte vetor que ameaça e nivela as forças de combate com a OTAN, no caso de uma eventual aliança com a Rússia. A incerteza nesse cenário é mais perigosa do que sua confirmação.

  Ainda é muito cedo para se fazer qualquer tipo de previsão acerca do desfecho da invasão da Ucrânia, bem como suas consequências, em termos geopolíticos. Todavia, a possibilidade de Rússia e China, juntas, reestabelecerem uma Nova Ordem Mundial, não pode ser desprezada, uma vez que a atual crise econômica global pode expor inúmeras fraquezas do Ocidente.

2. Restrições, boicotes, embargos e os impactos econômicos diretos

  Com a impossibilidade de fazer um ataque militar direto através da OTAN, a estratégia mais evidente do ocidente vem sendo através da economia, realizando inúmeros embargos, boicotes e ações restritivas para a Rússia. Nesse escopo, destaca-se não exportação e importação de produtos russos, encerramento de atividades de empresas multinacionais no país, bloqueio a Sociedade de Telecomunicações Financeiras – SWIFT, sanções contra indivíduos (congelamento de ativos, revogação de vistos), bloqueio das reservas russas internacionais, proibição de operação de bancos russos no exterior, restrições de viagens, encerramento de serviços virtuais e de contas em plataformas de multimídia, bloqueio de empresas áreas russas, de navios russos, suspensão de investimentos das multinacionais na Rússia, boicote nos setores de energia (destacando petróleo e gás natural), tecnologia e redes, montadoras, cartões de crédito, varejo, franquias gerais, e, por fim no setor de cultura e lazer.

  Como isso afeta a Rússia? Embora o país tenha se preparado para invadir a Ucrânia, possua recursos suficientes e autossuficiência para se manter por um longo período sem o setor externo, as medidas afetam drasticamente a economia através de vários mecanismos. Primeiramente o câmbio e a inflação, reduzindo a capacidade de adquirir produtos no exterior – mesmo de países que não adotaram as restrições econômicas; a inflação, através do aumento dos custos internos e redução da oferta de mercadorias.

  Outro efeito é através da ampliação do desemprego no país via saída de inúmeras empresas e do cancelamento de investimentos e outras atividades, reduzindo a renda da população – o que pode ampliar as pressões internas, manifestações e demandas sociais. Também há de ressaltar, o impacto no efeito do sistema financeiro, que além de atrapalhar negociações internacionais, atrapalha a dinâmica do mercado interno, e a circulação de recursos, fragilizando ainda mais o mercado interno russo. Ademais, além dos impactos deve ser ponderado toda a relação provocada pela própria situação de guerra, os investimentos privados reduzidos, elevado nível de incerteza, a busca por liquidez e a fuga de capitais.

  Os impactos dessas restrições não afetam somente a Rússia. Embora os russos sejam penalizados de inúmeras formas, a economia global também será drasticamente afetada. A Rússia como um grande player do mercado de fertilizantes, petróleo, gás natural e trigo ao sair do jogo e ser colocada de escanteio pelo mercado exerce uma grande redução da oferta desses produtos ao redor do globo.

  O preço do gás natural, do petróleo, do trigo e dos fertilizante já estão em alta ilustrando esse impacto. Como consequência inúmeros produtos dependentes dessas commodities se tornarão bem mais caros, são exemplos o gás de cozinha, energia elétrica, combustíveis e lubrificantes, a farinha, o pão e seus derivados, produtos da agropecuária como soja, milho, sorgo, arroz e proteína animal, e, consequentemente exercendo forte pressão inflacionária em nível global.

  Desta forma as medidas de embargo, boicotes e restrições também atuam como uma faca de dois gumes, ao passo que prejudica drasticamente a economia russa, também exerce pressões ao redor do globo, onde os países mais pobres provavelmente serão os mais impactados, tendo em vista o nível de renda da população e os ainda presentes danos provocados pela COVID-19.

3. O Ricochete no Brasil e Maranhão 

  Diante dessa perspectiva é óbvio que haverá um forte impacto na economia brasileira e no Maranhão. O país além de ser um grande exportador das commodities agrícolas que serão beneficiadas em “preço”, também é um forte importador de muitas dessas mercadorias.

  O preço do petróleo afetando a economia brasileira não é mais nenhuma novidade, uma vez que desde a pandemia estamos vendo a alta do câmbio e o preço do barril deteriorar o poder de compra do brasileiro elevando o nível de preços através do crescimento dos custos de operação – do sistema logístico dependente das rodovias e dos insumos mais caros. Nesse escopo, a batalha na Ucrânia provocará uma maior pressão no sistema de preços, uma vez que a Petrobrás já anunciou os novos reajustes (18,77% para a Gasolina e 24,9% para o diesel) e que entraram em vigor no dia 11 de março.

  Apesar da elevação dos preços via cambio e combustível, no período pandêmico não se viu o preço dos fertilizantes exercendo pressões demasiadamente negativas – embora tenham crescido. Nesse diapasão, deve-se reiterar que a 30% do fertilizante importado pelo Brasil vêm da Rússia e Belarus, ou melhor, vinha, uma vez que já foram canceladas as aquisições. Diante disso, o país está com tratativas com outros produtores para tentar atender a demanda nacional, contudo, os outros grandes players possuem um preço mais elevado, e a escassez no mercado os deverá elevar ainda mais. Com a alta dos fertilizantes o custo dos alimentos sobe, uma vez que a produção dos grãos encarece, bem como, da produção de ração animal.

  Similarmente, os preços do trigo devem pressionar a alimentação e impedir que o brasileiro se consuma diariamente seu típico pão matinal e simultaneamente, repense quanto ao fogão a gás uma vez que o gás de cozinha que também já subiu 16%.

  Assim, deve-se esperar uma aceleração da inflação em meados de 2022 – de forma similar ao visto em 2021, contudo, com as chuvas e as reservas das hidrelétricas em nível estável, por enquanto, o que desacelera o impacto nos custos.

  O Maranhense será igualmente impactado por esses efeitos exógenos, muito embora as pressões possam ser superiores tendo em vista o menor nível de renda, consequentemente, maior demanda por assistência social. Mas nem todos os impactos são negativos para o Estado, uma vez que o hub de importações situado no Complexo Portuário de São Luís, possibilita crescimento da arrecadação do Estado e um menor custo operacional em relação aos demais entes da federação.

  Reitera-se, sob a perspectiva da economia, que o Brasil, do lado de fora da guerra, também possui espaço para expandir seu mercado e mudar sua posição diante das oportunidades de mercado que estão sendo abertas. Não obstante, os impactos da dependência externa brasileira estão extremamente visíveis, cabendo também, reiterar a necessidade de investimentos em substituição da matriz energética, logística e da produção externa brasileira.

Palavras-chave :

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