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A Bruma Macroeconômica e Fiscal

A Bruma Macroeconômica e Fiscal*

Por: João C. S. Marques – Economista, Mestre em desenvolvimento socioeconômico (UFMA), Presidente do CORECON-MA e do COMDES.

O ano de 2021 foi marcado pelo processo de estabilização da crise da COVID-19, continuidade da corrida da vacinação global, atenuação das medidas de restrição e com o suave vislumbre da possível trilha para recuperação da economia mundial, bem como em âmbito nacional.

Para o Brasil, contudo, as oscilações econômicas provocadas pela pandemia somaram-se à crise político-institucional que assombrava o povo tupiniquim. O aumento dos riscos globais reforçou a fuga do real e elevou a taxa de câmbio em aproximadamente 40% desde o epicentro da pandemia até o findar do ano passado, desencadeando, em aquecimento do processo inflacionário através dos produtos importados.

Desde o segundo semestre de 2020, os mercados desenharam um panorama mais caótico, derivado da redução global dos estoques, problemas na produção, dificuldades no sistema logístico mundial e fortalecimento da demanda devido às políticas de investimento contracíclicos – nesse cenário, os preços internacionais das commodities alavancaram com destaque aos custos com energia, sobretudo, no valor do petróleo. Esse fenômeno fortaleceu o processo inflacionário global – e, obviamente, brasileiro.

No meio de todo o caos da pandemia, todas as esferas de governo no Brasil atuaram com medidas anticíclicas – investimentos e auxílios – para atenuar o impacto econômico derivado da pandemia. Além disso, foram destinados grandes volumes de recurso público (R$ 658,5 bilhões – somente pela União) para o fortalecimento da rede de saúde para conter a pandemia e reduzir o número de óbitos.

Esse esforço hercúleo do poder público foi possível, em parte, pelo arcabouço legal criado para enfrentar a pandemia MP n° 938/2020, LC nº 173/2020, MP nº 1.039/2021, que além de garantir apoio financeiro aos Estados, seguraram despesas obrigatórias a exemplo de Pessoal e deram auxílio à população e, em parte, pelo forte crescimento da arrecadação tributária (nacional e estadual), destacadamente do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – com consequente valoração das Transferências Constitucionais para os Entes Subnacionais – e bem como pelo próprio processo inflacionário e recuperação econômica que trazem ganhos fiscais.

Nesse escopo, contudo, o debate da pauta fiscal foi abandonado. Com as receitas crescendo fortemente e o preço do combustível nas alturas, a mídia centrou-se nas dores que a sociedade começou a sentir – o preço da gasolina, dos alimentos e a redução do poder de compra ocasionado pela inflação.

Com o enfoque na inflação, o Governo Federal atuou essencialmente em dois frontes: 1) aumento das taxas de juros; 2) redução das alíquotas tributárias e imposição de regras sobre a cobrança do ICMS para combustíveis. Ambos os vetores sem resultado substancial no controle de preços – uma vez que o fenômeno deriva de oscilações exógenas – a inflação dos custos e o preço da gasolina da ausência de refinarias internas suficientes e da política de preços da Petrobras – que é nivelada pelo preço internacional haja vista que a empresa deve importar o produto refinado para atender a demanda nacional.

Contudo, essa estratégia deve-se atentar a dois fenômenos importantes: 1) o custo nas contas públicas nacionais provocadas pela alta das taxas de juros, que elevou a dívida pública de 2021 em R$ 100 bilhões e em mais R$ 311,6 bilhões prevista para 2022; 2) a redução da arrecadação potencial dos estados ocasionado pela redução de alíquotas de ICMS e das transferências dos fundos de participação vide diminuição do componente IPI.

É diante desse cenário que sobe a cortina de névoa no panorama fiscal.  Com a alta dos preços, a manutenção do câmbio e crescimento da inflação nacional, as receitas continuam subindo desde 2021 para todos os Estados – mesmo nas projeções com a redução das alíquotas tributárias e as perdas de transferências constitucionais.  Mantendo margem para aumento das despesas de Pessoal – vide professores, militares e demais servidores públicos (em todas as esferas).

O superávit primário dos Estados e Distrito Federal cresceu 91% em 2021 e todas as 27 Unidades da Federação foram superavitárias, adensando a bruma formada pelas bonanças nas receitas e mais intensamente ofuscando vislumbrar o crítico cenário da situação fiscal brasileira que pairava antes da pandemia e que pode retornar com a normalização dos preços internacionais e da taxa de câmbio aos patamares anteriores.

Haja vista que estamos à mercê da conjuntura econômica internacional, fomos novamente “beneficiados”, em termos fiscais, pelo conflito Rússia e Ucrânia que prorrogaram à normalização da recuperação econômica global e dos níveis de preço dos mercados. É pertinente nos atentarmos que o poder público corre sérios riscos de frustração de receita em um cenário de melhora econômica global e normalização dos preços, e, que para além disso, os investimentos e ações governamentais realizadas produziram um forte crescimento das obrigações operacionais – sobretudo da expandida rede pública de saúde – aumentando o custeio e as despesas, estas que também se ampliar diante da necessidade de apoio derivada da redução do poder de compra e da manutenção de políticas anticíclicas, e, por fim, e não menos impactante das pressões políticas de aumentos salariais das classes ainda não beneficiadas,  progressões, novas nomeações, concursos públicos e promoções (que haviam sido paralisadas pela LC 173/2020 até 31 de dezembro de 2021 e que retomam fortes no ano corrente, que é de eleições).

Há, portanto, um risco fiscal oculto pelas densas brumas macroeconômicas, que em um cenário de normalização do panorama internacional pode fortemente deteriorar as finanças da União e seus entes subnacionais que além do menor potencial de arrecadação sofrerá com forte crescimento nas despesas públicas.

*artigo publicado em O Imparcial

Palavras-chave :

Brasil, Crise Fiscal, finanças públicas, Fiscal, João Carlos Souza Marques, Macroeconomia

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