João Marques¹
Carin Deda²
A recente aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/2012 pela Câmara dos Deputados em análise no Senado, marca uma inflexão importante no controle das finanças públicas no Brasil. O texto, que modifica a forma como são computadas as despesas com pessoal nos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tem potencial para gerar impactos, tanto positivos quanto negativos, nas contas dos entes federativos.
O principal ponto de atenção é a flexibilização dos limites de gastos com pessoal. A nova redação exclui do cálculo das despesas certas categorias de gastos, como as relacionadas ao fomento de atividades do terceiro setor e as despesas com contratação de empresas e organizações sociais para prestação de serviços públicos. Em teoria, essa mudança proporciona aos estados e municípios uma maior margem de manobra para aumentar seus gastos com pessoal sem violar os limites legais, o que poderia aliviar a pressão orçamentária e fiscal e facilitar a contratação de novos profissionais.
Tomemos como exemplo um governo estadual que, diante de restrições orçamentárias, enfrenta dificuldades para contratar novos profissionais de saúde. Com a nova legislação, esse governo poderia terceirizar parte dos serviços de saúde para organizações sociais, aliviando as limitações impostas pela LRF. O resultado imediato seria uma maior flexibilidade orçamentária, permitindo que o governo amplie a prestação de serviços sem violar os limites de despesas com pessoal, algo que, a princípio, parece aliviar a pressão sobre os gestores públicos e apresenta-se como um aspecto positivo. Além disso, a nova legislação, ao permitir a terceirização e a contratação de serviços por meio de organizações sociais, pode resultar em economia nos gastos com aposentadorias e benefícios previdenciários.
No entanto, a flexibilização traz riscos significativos. Ao permitir que as despesas com pessoal sejam canalizadas para o terceiro setor sem a devida contabilização nos limites fiscais, há o potencial para um aumento descontrolado dos gastos públicos. Esse cenário é particularmente preocupante em contextos onde o crescimento econômico não acompanha a expansão dos gastos. Estados que historicamente expandiram suas folhas de pagamento sem um aumento correspondente na arrecadação enfrentaram e ainda enfrentam crises fiscais, como observado no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Portanto, a expansão dos gastos com pessoal, sem uma correspondente elevação na receita, pode levar a um desequilíbrio fiscal e à deterioração da saúde financeira dos entes federativos. Ainda, em relação à possível economia nos gastos previdenciários, é importante observar que, por outro lado, a redução na arrecadação das contribuições previdenciárias pode contrabalançar essa economia, tornando-a menos significativa.
A mudança legislativa também tem implicações diretas nas áreas de saúde e educação, por exemplo. O texto aprovado mantém a exigência de que as despesas com pessoal, mesmo as excluídas do cálculo dos limites fiscais, sejam consideradas para o cumprimento dos pisos constitucionais dessas áreas. Isso significa que, em teoria, a ampliação das despesas com parcerias e terceirizações não comprometeria os recursos mínimos que devem ser aplicados em saúde e educação. Entretanto, a prática pode ser mais complexa. Ao destinar parte significativa dos recursos para pagamento de pessoal via organizações sociais ou cooperativas, pode-se reduzir o montante disponível para investimentos diretos, como construção de hospitais e compra de materiais, o que pode exigir uma análise cuidadosa para garantir que a qualidade e a eficiência dos serviços públicos não sejam comprometidas.
Além dos desafios fiscais e orçamentários, a nova legislação pode enfrentar obstáculos jurídicos. A redefinição do que é computado como despesa de pessoal pode levar a contestações, especialmente por parte de entidades de controle e sindicatos. Há o risco de que a flexibilização seja vista como uma tentativa de driblar as exigências da LRF, resultando em disputas judiciais que podem paralisar a implementação das novas regras. Ademais, a adaptação dos entes federativos a essa nova realidade pode exigir gastos em capacitação de servidores e ajustes nos sistemas de controle, gerando custos adicionais em um cenário já marcado por restrições orçamentárias.
Em suma, a aprovação do PLP 164/2012 apresenta uma dualidade complexa. Por um lado, oferece alívio fiscal imediato aos gestores públicos, permitindo maior flexibilidade na administração das despesas com pessoal. Por outro, impõe desafios consideráveis à sustentabilidade fiscal, transparência e qualidade dos serviços públicos. É crucial que os entes federativos adotem uma abordagem cautelosa ao explorar a nova margem, evitando riscos de comprometerem suas finanças futuras e a capacidade de prover serviços essenciais à população. Para evitar os mencionados riscos, nos parece essencial que o PLP 164 contemple dispositivos que estabeleçam limites claros para as medidas de contratação que possam vir à ser adotado pelos gestores públicos.
¹Economista, Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico e Conselheiro Regional de Economia do Maranhão
²Economista, Mestre em Gestão Urbana